Janela

Havia uma janela.
Aberta.
E uma moça
Fechada.
O dia estava azul. Ela gostava do azul, mas preferia o vermelho. Era intensa, era impulsiva, era extrovertida, era ela.
Era.
E agora, era a janela. Era uma tela, onde todos a viam, mas pouquíssimos a enxergavam. Era a maioria que se interessava pela pintura, pelos olhos fortes, que contrastavam com o sorriso delicado e os cachos confusos, que pareciam comandar sua vida. Mas poucos analisavam aquela menina/criança/moça/mulher. Poucos poderiam entender sua bipolaridade. Poucos poderiam aceitar seu estilo de vida. Pouquíssimos apoiariam suas escolhas.
E a menina/criança/moça/mulher decidiu passar o resto da sua vida na janela, sendo admirada, esperando o dia que seria analisada mais uma vez.
E passaram-se anos e anos e a menina/criança/moça/mulher estava ali. Com menos maquiagem, com mais caracóis. Com mais medos, com menos certezas.
E certo dia, em um dos seus sonhos cochilados, ou cochilos sonhados, um alguém apertou sua mão e no meio de um beijo, ela despertou.
Você estava sonhando?
Sim. Não poderia me admirar dormindo?
Eu admirei, mas eu precisava de mais. Não havia como ver o que você tinha a dizer de olhos, boca e coração fechados.
Não tenho nada a dizer.
Quer um sorvete?
Não posso sair daqui.
Eu já volto.
Ela ficou confusa. Mais do que o habitual. Quem é esse que eu nunca vi? O que ele quer comigo? Ele não vai voltar.
E meia hora depois, ele voltou. Com um sorvete.
Você não trouxe para mim? — ela achou bem indelicado, na verdade.
Você não quis vir comigo.
Mas eu disse que não posso sair daqui.
Por que não?
E ela por um momento, não soube a resposta.
Por que sempre foi assim. Estou esperando alguém que venha me buscar.
Você não tem pernas?
Oras! Quem é você, afinal? — ela de fato se irritou
Perdão, onde estão meus modos, sou Alfredo, um camponês da cidade de Clarão. E você é…
A menina da janela. Nunca ouviu falar de mim?
Deveria?
Moça, você é muito bela, um pouco antipática, talvez seja o tédio. Mas a cidade é grande. E normalmente estamos muito ocupados celebrando a vida para ficar obcecados por uma donzela que não se ama.
Mas. O que. Claro que eu me amo!
Então se baste! Por que esperar alguém com pernas te tirar dessa janela se você tem asas?
Sempre estive aqui. Vou me perder.
De quem?
De…mim?
Não se responde uma pergunta com outra. E pelo pouco que notei, moça, você já se perdeu de si faz um bom tempo. Qual o preço de se aventurar? Talvez um pouco da sola do seu sapato.
Posso ir descalça?
Você pode o que quiser. Não é maravilhoso ser sua?
Quem…é você?
Já disse. Alfredo. Camponês. Clarão. Sorvete.
Meu nome é Amanda.
Ele sorriu.
Amanda, quer dar um passeio pela minha cidade? Vai gostar de conhecer meus amigos.
Fico grata pelo convite, mas hoje vou tomar um sorvete sozinha e conhecer a minha cidade. E quem sabe, me encontre por aí.
Ele sorriu mais uma vez.
Será ótimo. Então, até amanhã?
Até amanhã.
Ela sorriu.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas